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Rodrigo de Almeida

Retomada do crescimento só virá para valer com menos tensão política

Rodrigo de Almeida

29/11/2019 04h00

Se quiser transformar as recentes boas notícias de recuperação econômica em ventos favoráveis no longo prazo, o governo de Jair Bolsonaro precisará ter em mente o óbvio que ignorou nesses seus 11 meses iniciais: é improvável um crescimento saudável e sólido num ambiente politicamente conturbado. Crises políticas são combustível certo para crises econômicas, e a retomada será limitada enquanto o governo prosseguir com a tensão e a confusão como método político.

Convém um alerta antecipado: a turbulência política a que me refiro aqui não é a "polarização" do debate público. Nem a equivocada e autoritária leitura política do ministro da Economia, Paulo Guedes, que enxergou uma ameaça chilena no Brasil em sua menção, em tom de ameaça, ao AI-5 redivivo.

A polarização se tornou desculpa para diferentes correntes políticas, especialmente do centro, compensarem sua própria incapacidade de posicionamento. Na política, voz é para quem tem – e hoje o presidente Jair Bolsonaro, de um lado, e o ex-presidente Lula, de outro, são aqueles que melhor exibem capacidade de garantir potência a suas ideias, goste-se ou não delas. Ciro Gomes tenta, mas enfrenta a resistência da mídia no tratamento dos seus discursos.

Polarização está longe de significar crise ou turbulência política.

Já a investida retórica de Guedes pode não ser a peça principal da turbulência política, mas é parte integrante: uma turbulência essencialmente originada e cultivada dentro do próprio governo. Com suas ações firmes para intimidar o Congresso, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público e a mídia, o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos são os maiores protagonistas da crise política, da confusão e da sabotagem institucional que podem atravancar a recuperação da economia. Até a saída de Lula da prisão, era deles o monopólio da oposição ao próprio governo.

Como muitos analistas têm sublinhado, há sinais claros de que o Brasil atravessa um processo de recuperação econômica. Lentamente, mas atravessa. As previsões sugerem o terceiro ano de crescimento do PIB na faixa de 1%, e para 2020 as projeções oscilam em torno de 2%. É pouco, muito pouco, mas não custa ter um olhar benevolente neste caso: o Brasil foi ao fundo do poço e hibernou em demasia nos últimos anos, numa letargia com raízes econômicas e também (ou principalmente) políticas, a partir das turbulências políticas enfrentadas em 2014, 2015, 2016 e 2017. E até poucos meses atrás as previsões para 2019 beiravam 0,5%.

Resta saber se o país aguenta uma recuperação tão lenta assim. A própria equipe econômica percebeu que não, como demonstram suas iniciativas quase envergonhadas de estímulo à demanda – atitudes que contradizem a visão original do ministro Paulo Guedes. Ainda que, em entrevista recente a Alexa Salomão, tenha pedido 4 anos para que seu projeto resulte em crescimento econômico e bem-estar para a população. Pode ser tempo demais.

O fato é que a combinação entre aumento de crédito, juros mais baixos, melhora da construção civil e liberação de recursos do FGTS, as previsões se tornaram muito mais animadoras. Nada exuberante, repito, mas uma ótima notícia depois de três anos de avanço do PIB na casa de 1%.

Essa recuperação exibe limites claros, e aposto dizer que o mais forte deles está na política. Sem um quadro político mais pacificado, menos gerador de incertezas e mais consequente, a lentidão da recuperação se tornará ainda maior – sob risco de a impaciência nacional produzir danos igualmente graves.

Há quem ignore a natureza política das crises econômicas, assim como a natureza econômica das crises políticas. Muitas vezes são irmãs siamesas.

No verão de 2016, no início da fase mais aguda da crise do segundo mandato da então presidente Dilma Rousseff, poucos meses antes do impeachment, o insuspeito FMI divulgou um estudo exemplar e estarrecedor. O Fundo reduzia a expectativa da economia brasileira para aquele ano e para 2017 e enxergava a piora do cenário como resultado de três fatores essenciais: um era a diminuição do crescimento chinês; outro era a instabilidade do Oriente Médio; e o terceiro era a continuidade da crise política.

O mais forte trecho do relatório alertava não para fatores restritos à economia brasileira, e sim à instabilidade política e às investigações da Operação Lava Jato. O governo havia cometido muitos erros na condução da economia, mas o FMI reconhecia ali o peso significativo da política sobre a instabilidade econômica.

E sobravam maus exemplos políticos: uma oposição (leia-se: a direção do PSDB, nas mãos do candidato tucano de 2014, Aécio Neves) incapaz de reconhecer sua derrota desde o primeiro dia após a eleição; um presidente da Câmara chamado Eduardo Cunha, com todas as suas pautas-bomba capazes de minar o esforço do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para reduzir os déficits públicos crescentes; e o PT, partido da presidente, atuando em oposição às principais medidas do próprio governo.

Dilma e seus principais porta-vozes tentaram mostrar a natureza política daquela crise econômica. Sem muito crédito na praça, pouco ou nada foram ouvidos.

Michel Temer também foi vítima do vendaval político como impeditivo da retomada mais vigorosa da economia – no seu caso, a instabilidade surgida de suas conversas nada republicanas com o empresário Joesley Batista tisnou os esforços do então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles e bloqueou aspirações mais elevadas até o fim do seu mandato.

Com Bolsonaro a coisa se torna mais autofágica, com o autoritarismo como prática política e tendo Guedes como co-partícipe de um liberalismo autoritário. Muita gente achou estranha quando escrevi, há mais de dois meses, que o ministro, ao se adaptar a Bolsonaro, havia criado a economia política da borduna, a economia política da radicalização, do desvario e da canelada. Suas ofensas retóricas já se desenhavam ali, muito antes de tomar forma ameaçadoramente autoritária, com sua recente menção ao AI-5.

O autoritarismo como valor, a tensão política como método e o radicalismo liberal como norte econômico não tendem a gerar boa coisa num país de enorme vulnerabilidade social. O modelo chileno, preferência de Paulo Guedes, foi bem-sucedido na promoção do crescimento, mas também gerou profunda desigualdade de renda e riqueza. (A renda do Chile é uma das mais concentradas do mundo, uma das razões da explosão social que se vê naquele país.)

Com tais consequências numa população menor do que a que ocupa a Grande São Paulo, imagine num país de dimensões continentais como o Brasil, que tem uma população superior a 200 milhões de pessoas, das quais 52 milhões na pobreza e mais de 13 milhões na extrema pobreza. Aqui, mais do que nunca, é preciso o respeito aos pesos e contrapesos institucionais e sociais, sem o quê os riscos são fortemente inflamáveis.

Mas na sua estratégia de guerra de todos contra todos, radicalismos retóricos e práticos e episódios de intimidação explícita, o governo coloca fogo onde se pede água. Opta pela crise política ao tentar superar a longa crise econômica.

Sobre o Autor

Rodrigo de Almeida é jornalista e cientista político, com doutorado em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Uerj e passagem como visiting scholar na The New School for Social Research, com estudos sobre as relações entre Estado, empresariado e variedades de capitalismo. Foi diretor de Jornalismo do iG, editor executivo do Jornal do Brasil, editor da revista Insight-Inteligência e diretor executivo e curador da Casa do Saber Rio, entre outros cargos. Trabalhou como assessor de comunicação do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy (2015), e como secretário de Imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff (2015-2016). Autor, entre outros livros, de À sombra do poder: bastidores da crise que derrubou Dilma Rousseff (LeYa, 2016). Atualmente é consultor de comunicação e política e editor na editora LeYa Brasil.

Sobre o Blog

Reflexões e análises sobre questões econômicas, sem economês, sob a ótica da economia política e seus impactos sobre a sociedade, a democracia, o capitalismo e as instituições.

Rodrigo de Almeida