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Paulo Guedes se adapta a Bolsonaro e cria a economia política da borduna

Rodrigo de Almeida

11/09/2019 04h00

O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem conseguindo algo novo no Brasil: ao seguir e ratificar a estética e a ética do seu chefe, tem ajudado a instituir aqui a política econômica da borduna. É a economia política da radicalização, do desvario e da canelada que ameaça produzir sérias consequências práticas.

Para muita gente, sobretudo integrantes da elite econômica, Guedes chegou ao governo como fiador do presidente Jair Bolsonaro. O ministro seria um preço bom a se pagar pelas reformas e por uma política econômica, enfim, liberal, que só Guedes seria capaz de efetivar no país.

Segundo esse tipo de visão, as ofensas retóricas já antecipadas na campanha, a demonstração de intolerância e desrespeito frente a adversários ou ideias contrárias, o menosprezo pelas instituições e o pouco ânimo para valores da democracia, tudo isso seria um mal menor se o liberalismo de Guedes desse conta do recado no mundo inconsequente de Jair Bolsonaro.

Guedes não seria o primeiro a ter a condição de primeiro-ministro respeitável capaz de chancelar e garantir confiança a um chefe não tão respeitável assim ou imerso numa crise de circunstância. Desde que o Ministério da Fazenda foi criado em 1808, com a chegada de dom João 6º ao Brasil colonial, muitos dos mais de 150 ministros titulares e interinos no ministério funcionaram como fiadores de líderes políticos.

Característica não restrita ao Brasil. Ex-vice-presidente do Banco Central americano e membro do Conselho Econômico do presidente Bill Clinton, o professor Alan Blinder escreveu uma vez que os políticos usam os economistas como os bêbados usam o poste: lhes serviriam mais para apoiar do que para iluminar.

Ao contrário de boa parte de seus colegas economistas, no entanto, Blinder defende a política e a democracia e ressalta que não apenas os políticos devem aprender as consequências econômicas de suas promessas: cabe aos economistas aprender o timing e os limites daqueles que têm mandato eletivo e, assim, poderem influenciar melhor a agenda pública.

Esse equilíbrio entre presidente e ministro é essencial para um país –mas equilíbrio, mesmo dinâmico, não significa o que está ocorrendo com Paulo Guedes. Se os chamados "mercados" tinham uma expectativa de que ele aparasse as arestas do governo Bolsonaro e trouxesse mais civilidade ao presidente e seu mandato, em alguns momentos o ministro derrapou e aconteceu exatamente o contrário.

No histórico de fiadores em equilíbrio, basta lembrar o caso bem-sucedido de Fernando Henrique Cardoso no governo Itamar Franco, ou Henrique Meirelles na gestão-tampão de Michel Temer, para citar exemplos mais recentes. Alguns tiveram a diplomacia como formação e prática, como Oswaldo Aranha nos anos 1930 e 1950, ou Santiago Dantas, na década de 1960. Muitos adotaram a premissa da previsibilidade da fala e dos atos, como Pedro Malan nos oito anos de mandato de FHC.

O fato é que, hoje, Guedes mais parece estar se adaptando às ideias e ao estilo do presidente. E é isso que pode ter efeitos econômicos concretos.

A retórica agressiva do presidente, a longa depressão econômica, a demora histórica da recuperação do PIB, da renda e do emprego, a desestabilização política e institucional que Bolsonaro produz com seu comportamento conflituoso e sua concentração em temas miúdos têm começado a acender a luz amarela da desconfiança em quem, até pouco tempo, fazia profissão de fé nas expectativas geradas por Paulo Guedes.

O presidente exibe seus problemas de incontinência no plano externo –já deu chutes e pontapés retóricos sobre Chile, Noruega, Alemanha, França– e, igualmente, no plano doméstico. Volta-se cada vez mais para a sua base mais extremada e promete radicalizar ainda mais à direita.

Engana-se quem acha que gestos assim se resumem à política. Não há desenvolvimento econômico sem investigação científica, sem diversidade cultural, sem equilíbrio na convivência com o meio ambiente. Não há desenvolvimento econômico com a crença de que liberdades se restringem à esfera econômica. Não há desenvolvimento econômico com isolacionismo diplomático e/ou alinhamentos incondicionais, nem com tensionamentos institucionais.

Tudo isso ajuda a criar barreiras às decisões de investimento nacionais e estrangeiros, travar acordos comerciais com outros países e blocos, e criar desestímulos sérios a negócios.

É verdade que nem sempre autoritarismo mostra-se ruim para a economia –China e Singapura são histórias de sucesso econômico. Mas quem discorda ou ignora o impacto de governos autoritários ou capazes de promover retrocessos democráticos sobre a economia de seus países deveria ler o último relatório anual da Freedom House, publicado no início de 2019, com base nos indicadores do ano passado. Segundo o relatório, 71 entre 195 países do mundo viram suas instituições democráticas erodirem nos últimos anos. A pesquisa mostrou que, quando instituições se deterioram, não é ruim apenas para a democracia –também prejudica economicamente esses países.

Guedes e Bolsonaro perderão apoio dos mesmos mercados que os apoiaram desde 2018 para cá? Difícil dizer. Mas, quando os ganhos começam a ser prejudicados, o risco aumenta, e é este o risco já analisado em certos setores que até aqui apoiam o ministro e o presidente.

Destravar o crescimento se tornará elemento-chave para ambos reduzirem esse risco. O problema, neste ponto, é que Guedes e sua equipe concentram seus projetos, planos e promessas num programa liberal que não responde às urgências atuais da nossa economia e se mostra incapaz de tirar o país da estagnação que nos aprisiona no curto prazo.

Com o padrão de Bolsonaro e a conivência do seu ministro da Economia, a consequência pode vir em forma de mais canelada, a borduna que o presidente ameaçou levantar.

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Sobre o Autor

Rodrigo de Almeida é jornalista e cientista político, com doutorado em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Uerj e passagem como visiting scholar na The New School for Social Research, com estudos sobre as relações entre Estado, empresariado e variedades de capitalismo. Foi diretor de Jornalismo do iG, editor executivo do Jornal do Brasil, editor da revista Insight-Inteligência e diretor executivo e curador da Casa do Saber Rio, entre outros cargos. Trabalhou como assessor de comunicação do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy (2015), e como secretário de Imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff (2015-2016). Autor, entre outros livros, de À sombra do poder: bastidores da crise que derrubou Dilma Rousseff (LeYa, 2016). Atualmente é consultor de comunicação e política e editor na editora LeYa Brasil.

Sobre o Blog

Reflexões e análises sobre questões econômicas, sem economês, sob a ótica da economia política e seus impactos sobre a sociedade, a democracia, o capitalismo e as instituições.

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