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Rodrigo de Almeida

Debate real na Amazônia é sobre morte e desenvolvimento

Rodrigo de Almeida

20/12/2019 04h00

Dos infames ataques a Greta Thunberg à evidente violação de direitos no caso dos quatro brigadistas presos injustamente em Alter do Chão (PA), passando pelos delírios conspiratórios envolvendo financiamentos internacionais a organizações não-governamentais, o Brasil do bolsonarismo ainda deve respostas efetivas a duas questões centrais para a Amazônia e o futuro do país: as ameaças e violências contra os guardiões da floresta e o modelo de desenvolvimento concebido para aquela região.

Sobre o primeiro problema –a violência–, é importante reafirmar o que vêm alertando ambientalistas, ativistas, representantes de comunidades tradicionais, jornalistas e observadores mais atentos ao problema: os incêndios arrefeceram com a chegada da estação das chuvas, mas o medo, a tensão, a ameaça e a morte rondam a floresta.

Como mostrou um breve e duro relato feito direto da floresta por Eliane Brum, que circulou com força nas redes sociais, ali se dorme com uma morte –e acorda-se com outra morte, ou outra ameaça, ou outro recuo. Esta frase, segundo ela, é comum: "Vão me matar".

Ou, como sintetizou Jonathan Watts, editor global de Meio Ambiente do jornal britânico "Guardian", a Amazônia se assemelha cada vez mais a um campo de batalha –e é impossível não sublinhar o papel do presidente Jair Bolsonaro para isso, ao elevar o tom do discurso, criminalizar o trabalho de ONGs ambientais, enfraquecer o trabalho de proteção das florestas e incentivar mineradores, agricultores e grileiros a tirarem vantagem do estímulo presidencial.

A tensão não nasceu com Bolsonaro, mas foi amplificada pelo encorajamento bolsonarista.

As ameaças contra a vida são acompanhadas também de ameaças contra liberdades e direitos – razão pela qual o caso dos brigadistas atraiu a atenção do Projeto Aliança, rede que reúne advogadas e advogados de peso, a exemplo de Beto Vasconcelos, ex-secretário Nacional de Justiça e idealizador do projeto, Theo Dias, Juliana Santos, Antônio Mariz de Oliveira, Maíra Salomi, Fernando Cunha, Hugo Leonardo, Flávia Rahal, Augusto Botelho, Davi Tangerino e Patrícia Pamela. Marcelo Chilvarque atua como coordenador-executivo da rede.

A Aliança tem assumido casos emblemáticos de violação de direitos e liberdades. Parte reforçou, no caso de Alter do Chão, a defesa dos quatro jovens – Daniel Gutierrez, João Romano, Gustavo Fernandes e Marcelo Cwerner – e também das entidades citadas no caso, o WWF e o Projeto Saúde & Alegria (PSA).

E vem do Saúde & Alegria (organização com mais de 30 anos de atividade na Amazônia e conduzida por dois craques, os irmãos Caetano e Eugênio Scannavino) alguns dos melhores alertas e argumentos em relação ao segundo ponto: que modelo de desenvolvimento desejamos para a Amazônia?

Como afirma Caetano Scannavino, este é o grande debate a fazer, e não sobre paranoias conspiratórias nem tampouco sobre o embate raso em torno de uma falsa oposição entre desenvolvimento e proteção ambiental. ONGs como o Saúde & Alegria ou ativistas como os irmãos Scannavino não são contra as facilidades da energia, dos transportes, da internet ou outras tecnologias. Ninguém é contra o agronegócio nem a favor do fim das florestas –sem elas não há água, e sem água não há agricultura.

Caetano Scannavino lembra que, em vez de brigar com os satélites ou minimizar dados crescentes da Amazônia, o que é preciso trazer para a mesa é o fato de termos devastado uma área equivalente a duas Alemanhas de florestas, para que 63% dela fosse ocupada por pastagens de baixíssima produtividade, com menos de um animal por hectare, e outros 23% fossem abandonados.

Ouvi esses números há poucos dias e, frente a eles, é inconcebível que autoridades resumam o tema à presença de Leonardo di Caprio ou à inversão da lógica –quando guardiões da floresta são acusados de atentar contra ela.

Os dados são da Embrapa e do Inpe, e não é demais repetir: menos de 15% das áreas desmatadas se tornaram efetivamente produtivas, se muito. "Desmata-se para ficarmos ainda mais pobres", resume o diretor da ONG.

Eis o ponto: para fazer, de fato, a diferença, o Brasil precisaria estar blindando as florestas e focando no aumento da produtividade nas zonas agrícolas já consolidadas do bioma. Como lembra Scannavino, é possível fazer mais com menos terra, menos desmatamento e menor pressão sobre as Unidades de Conservação e Territórios Indígenas. É possível fazer mais incentivando técnicas modernas e mais amigáveis ao meio ambiente.

"É insano", diz ele, "que o país com a maior biodiversidade do planeta não tenha até agora uma política robusta de bioeconomia, voltada para o processamento de produtos da floresta como o açaí, cacau, cupuaçu, castanha, andiroba e tantos outros".

O cientista Carlos Nobre já alertou uma vez que, enquanto os sistemas agroflorestais com açaí podem render anualmente entre US$ 200 e US$ 1.500 por hectare, o gado fica em torno de US$ 100 por hectare. Com o enorme potencial de sua biodiversidade, o Brasil precisa de uma indústria da biodiversidade, e de uma ciência e tecnologia que desenvolva esse potencial. Nenhum governo, Fernando Henrique, Lula e Dilma incluídos, deu a atenção devida a isso.

Mais um argumento: o Brasil assistiu a quedas expressivas no desmatamento entre 2004 e 2012 e, mesmo assim, o PIB agropecuário da Amazônia Legal teve formidável alta –ou seja, foi capaz de crescer nesse período com ganhos de produtividade sem ampliar a área deflorestada.

Enquanto isso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi à Europa pedir dinheiro para a floresta, mesmo diante de um dado inaceitável: o Fundo Amazônia deve fechar o ano com R$ 2,2 bilhões parados, nenhum projeto aprovado e o menor valor desembolsado em seis anos.

Caetano Scannavino analisa esse descompasso ao blog: "Esse alinhamento propositivo em torno do social, ambiental e econômico é a base da maioria dos projetos das ONGs e da academia que vêm sendo apoiados a partir de doações nacionais e/ou de fora. Não existe repasse de dinheiro sem projeto. Por isso, estranha essa tentativa do ministro Salles buscar fundos internacionais sem projeto algum, sem dizer o que irá fazer com eles. Cheguei a ouvir na Espanha que o ministro sequestrou a Amazônia e veio pedir o resgate na COP [conferência do clima da ONU]".

Usando a ponderação de Scannavino, acrescento: receber recursos externos sem projeto na mão, como tenta fazer o ministro, é o que pode parecer internacionalização da Amazônia.  Isso, sim, é o que precisa ser investigado. Mais eficaz seria buscar recursos internacionais para dar escala a projetos demonstrativos das áreas socioambientais, bioeconômicas muitos dos quais oriundos das ONGs e centros acadêmicos que o governo despreza e criminaliza.

O Brasil tem sido o país onde os óbvios precisam ser reafirmados como pérola inovadora. Uma dessas obviedades para não esquecer: uma floresta em pé tem mais valor do que caída. Outra é sobre a defesa da vida. Afinal, a morte e o medo não exibem beleza nem riqueza sequer na poesia.

Sobre o Autor

Rodrigo de Almeida é jornalista e cientista político, com doutorado em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Uerj e passagem como visiting scholar na The New School for Social Research, com estudos sobre as relações entre Estado, empresariado e variedades de capitalismo. Foi diretor de Jornalismo do iG, editor executivo do Jornal do Brasil, editor da revista Insight-Inteligência e diretor executivo e curador da Casa do Saber Rio, entre outros cargos. Trabalhou como assessor de comunicação do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy (2015), e como secretário de Imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff (2015-2016). Autor, entre outros livros, de À sombra do poder: bastidores da crise que derrubou Dilma Rousseff (LeYa, 2016). Atualmente é consultor de comunicação e política e editor na editora LeYa Brasil.

Sobre o Blog

Reflexões e análises sobre questões econômicas, sem economês, sob a ótica da economia política e seus impactos sobre a sociedade, a democracia, o capitalismo e as instituições.

Rodrigo de Almeida